DJ Tudo e Joe Strummer: discos que nos revigoram em tempos difíceis

Dois lançamentos movimentam a semana e oferecem algo valioso: boa música. Começo falando sobre o disco Pancada Motor – Transformação e Cura, que reúne produções do artista DJ Tudo elaboradas entre 2014 e 2019. Para quem não o conhece, DJ Tudo é um pesquisador de cultura popular, seus discos são fruto de viagens nas quais ele percorre diferentes regiões, do Brasil e outros países, em busca de artistas locais com quem grava e elabora seus discos. Trata-se de um trabalho que pensa o popular como um espaço criativo sem fronteiras ou delimitações, um lugar de encontros diversos. Daí vem a riqueza de sua obra que promove encontros sonoros inesperados, a exemplo da faixa Alegria, que reúne artistas populares da cultura baiana de barreiras (de Coruripe, Alagoas) com um virtuoso guitarrista que mora em Paris. DJ Tudo publicou uma live com o disco na íntegra, na qual ele comenta o disco faixa a faixa. Confira aqui.

Outro lançamento ocorrido nesta semana é o álbum Assembly, que reúne registros ao vivo de Joe Strummer (ex-Clash) e seu grupo the Mescaleros. O trabalho traz inclusive registros inéditos como a versão acústica de Junco partner, entre outros clássicos gravados ao vivo que resgatam o repertório do Clash – como I fought the law e Rudie can’t fail. O disco também apresenta versões ao vivo de canções que marcaram a carreira solo de Joe e registros de faixas que produziu com os Mescaleros. Assembly resgata a obra de Joe ao apresentar ao público canções que representam diferentes momentos de sua carreira, trabalhos que têm em comum a capacidade do artista em organizar diferentes referenciais rítmicos e culturais, muito além do rock britânico, uma trajetória de aproximações com a música jamaicana, o hip hop, a percussão africana etc. Trata-se de uma sensibilidade artística de experimentar e tomar rumos inesperados, enriquecedores.

O álbum pode ser conferido aqui:

Há também um vídeo divulgado hoje que ilustra a faixa I fought the law:

DJ Tudo e Joe Strummer possuem trabalhos que mobilizam diferenças e alteridade, algo que nos revigora em tempos difíceis em que é preciso manter distância das pessoas, mas sobretudo porque são obras que se colocam em oposição a certos discursos xenófobos e preconceituosos que ganharam força nos últimos tempos.

Iggy Pop completa 73 anos

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Imagem: facebook.com/iggypop/

Em meio ao noticiário preocupante de nosso tempo, uma notícia ao menos merece ser celebrada neste dia. Iggy Pop completou hoje 73 de idade, e não é pouca coisa. O cara é ex-Stooges, amigo de longa data do Bowie e principal nome do chamado pré-punk, além de ser referência para uma porrada de gente legal – de Joe Strummer a Debbie Harry –, ou seja, não é sempre que a cultura pop celebra alguém desse porte.

No dia do seu aniversário, o músico compartilhou uma bela versão (inédita) para “Family Affair”, do grupo Sly & The Family Stone. Mas, em tempos de isolamento social, uma faixa que cai bem é “Isolation” (“Here I stand in isolation”, Iggy canta), do discão Blah Blah Blah, produzido por ninguém menos que David Bowie. Vida longa ao velho punk Iggy Pop.

 

 

O Mundo Livre S/A e sua resposta artística (e política) ao tempo presente

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Mundo Livre S/A no show de lançamento do disco “A dança dos não famosos”, na última semana, no Sesc Pompeia

O álbum A dança dos não famosos, do Mundo livre S/A, retoma a ideia radical de mistura sonora do manguebeat – com dub, samba, soul e menções a Tom Zé, Clash, Jorge Ben e Bowie –, mas acima de tudo é uma resposta artística ao Brasil pós-golpe. Assim, assume no contexto atual um papel importante por oferecer alternativas discursivas na cultura midiática.

O grupo recifense assume a contramão do senso comum capturado pelos regimes de verdade dos meios de comunicação hegemônicos, cujas narrativas sugerem a ideia de uma informação instrumental e neutra alinhada aos interesses do mercado (sistematicamente ocultados), e que, de tempos em tempos, ataca em bloco para manter as velhas estruturas de poder.

Fred Zero Quatro e banda são politizados e críticos ao tempo presente – a barbárie como continuum histórico, no sentido benjaminiano. O sampler, por exemplo, reproduz o pronunciamento do presidente ilegítimo, de popularidade mínima, mas querido aos olhos do deus mercado. O “choque de gestão” citado em uma das faixas se refere às medidas de austeridade defendidas pelos donos do poder (inclusive do poder midiático), que têm provocado retrocessos sociais.

Como Nina Simone certa vez disse de forma contundente: “é dever do artista refletir sobre seu tempo”. Trata-se então de uma resposta artística a um momento no qual um aparato jurídico-midiático trabalha na manutenção da exclusão de uma parcela considerável da população brasileira.  Vida longa ao Mundo Livre!

 

 

 

Jamaica chamando!

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A exposição “Jamaica, Jamaica!” (até agosto, no Sesc 24 de maio) reúne parte da rica produção musical jamaicana. Muito além do reggae e do genial Bob Marley, o espaço ressalta as materialidades que antecedem a produção da linguagem musical, como a relação humano/tecnologia da experiência de fonografia alternativa, práxis minoritária frente ao mainstream, desenvolvida na Jamaica – sound systems nas ruas, estúdios de gravação e fábricas de prensagem, uma resposta terceiro-mundista à hegemonia da música pop norte-americana e europeia. Sem contar que os gêneros jamaicanos (reggae, dub, ska, rocksteady) espalharam seus “sotaques” no cenário global influenciando a cultura DJ, as remixagens, o hip-hop e geraram hibridizações com o punk britânico.

Práticas sociais e relações corpos/aparelhagens caracterizam o âmbito das micropolíticas que emergem expressivamente na linguagem musical (o “como fazer musical” fixado nos gêneros e em suas sintaxes), uma vez que a linguagem é antes um caso de política que de linguística (DELEUZE; GUATTARI, 1995).

Na foto acima o produtor King Tubby (e sua mesa de som), mago que explorou delays e outros efeitos de estúdio na produção dos inesgotáveis “riddims”.

A seguir outras imagens que compõem a mostra

Remixes de muitos carnavais

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Os brasilienses do grupo Harmonia do Sampler voltam a revirar a memória musical brasileira para resgatar canções de outros carnavais para conferir-lhes nova roupagem sonora. Faixas como “Cilada”, “Mal Acostumado”, “Me Usa”, “Eva”, “Dia dos Namorados”, entre outras, integram o EP lançado no último mês pela banda.

A ideia do Harmonia do Sampler é remixar essas canções e inserir elementos eletrônicos, geralmente associados a subgêneros da música eletrônica, a exemplo do trap e do house.  No entanto, além de questões meramente estéticas, o movimento de resgatar e ressignificar essas faixas coloca em jogo uma ética artística que difere da descartabilidade (progresso?) inerente à indústria fonográfica.

Ou seja, as versões são atualizações de conteúdos, que seriam sucata sonora na lógica mercadológica vigente, para recolocá-los em circulação. Um despertar de antigos hits no imaginário do Carnaval 2018.

Rincon Sapiência e uma breve projeção (sobre práxis e linguagem) para 2018

A passagem de um ano para outro é sempre um período de especulações, promessas, metas, planejamentos e retrospectivas – esta última sob a lupa seletiva da mídia mainstream foi exibida à exaustão. Como nosso recorte aqui no blog é voltado ao campo da arte, acredito que a música pop pode contribuir bem com esse sentimento reflexivo que invade corações e mentes nos últimos e primeiros dias de cada ano.

Logo após o Natal, o rapper Rincon Sapiência divulgou o vídeo do single “Afro Rep”, que já na enunciação conecta o rap à matriz cultural africana. A canção reúne uma cartografia de intertextos, nos versos e nas imagens, recortes de fenômenos sociais que marcam articulações por novas representações, reforçadas, sobretudo, após a ascensão das mídias digitais.

Nas imagens do vídeo, há mulheres negras (entre artistas e blogueiras, novas vozes do cenário midiático!), roupas africanas e cenas filmadas fora do eixo central da cidade. A letra faz críticas a extratos sociais privilegiados (como a classe média que vê comunismo em tudo) e denuncia episódios recentes de racismo. Já a linguagem musical é onde a práxis, no sentido de prática social que possibilita a mudança, expressa os significados de celebração da diferença, em meio ao jogo de hibridização gerado pelo contato de ritmos de matriz africana com o trap e o hip hop.

O vídeo, lançado às portas de 2018, reforça a continuidade de vozes mais plurais ocupando cada vez mais espaços no próximo ano e, mesmo que a mídia mainstream passe a adotar certas demandas de representatividade, na intenção de harmonizar desigualdades, a tendência é que essas vozes se coloquem em oposição aos quadros que capturam a vida social na geração da docilidade servil ao mercado. Em suma, subjetividades que fazem o trajeto social (práxis) gerador de linguagens como a de “Afro Rep” devem assumir cada vez mais os debates – teremos então um ótimo contraponto ao momento sombrio que vive o país desde o golpe de 2016.

……….

PS (1): No meio da correria de final de semestre (2017) e algumas leituras atrasadas do doutorado demorei para assistir ao novo clipe da Anitta. Como qualquer leitura de produto midiático, é possível identificar aspectos dominantes e significados que colocam novas discussões em circulação. De forma bem resumida, separei alguns pontos positivos (na minha opinião): o cenário periférico que mostra pessoas dançando, em momento de fruição, diferente dos estereótipos abordados por certo “jornalismo”. Já o ponto negativo é a escolha do diretor de fotografia Terry Richardson, que acumula várias acusações de assédio. Terceiro ponto que gostaria de destacar, e aí deixo a questão para futuras discussões: não sei se a cena do rapaz com a mão no bumbum da Anitta se encaixa na ideia de autonomia da mulher, geralmente associada ao do rebolado do funk, acredito que neste aspecto há um paradoxo.

PS (2): Como nessa época de final de ano a gente reencontra amigos, família e pessoas que não vemos há tempos, geralmente nos deparamos com aquele amigo/parente conservador. Juro que não fazia ideia de como o artista Pabllo Vittar incomoda, de fato o discurso heteronormativo e as delimitações fixas de sujeito sempre em jogo nos imaginários ainda exercem forte influência sobre o senso comum.

 

Yeah Yeah Yeahs divulga faixa perdida e celebra as gravações precárias

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A faixa “Phone Jam”, divulgada pelo Yeah Yeah Yeahs nesta semana, não faz parte de um álbum de inéditas, tampouco o single de um trabalho no forno. A canção deriva dos escombros do período que antecede o álbum de estreia da banda, Fever To Tell (2003), ou seja, é fruto de uma arqueologia sônica.

O trio formado por Karen O, Nick Zinner e Brian Chase resgata uma canção que expõe linguagem musical produzida a partir de um cenário precário. Esqueça a alta fidelidade das gravações em estúdio, a ideia do grupo em “Phone Jam” – sobretudo a ideia de lançar “Phone Jam” em 2017! – desestabiliza uma leitura linear do tempo. O grupo hoje consagrado retoma uma forma de produzir geralmente associada a poucos recursos técnicos e financeiros.

Na faixa, há claramente ruídos, distorções e vozes (interferências!) que compõem paisagem sonora tecnicamente incômoda para a lógica da busca pela “perfeição” mainstream. A experiência estética percebida em “Phone Jam” pode até ter sido gravada em um estúdio, pouco importa, mas o resultado propositalmente alcançado aciona afetos provocados por um efeito de gravação em baixa definição.

A linguagem de agenciamentos precários enfrenta a busca por certa perfeição vinculada ao fator mercadológico.

Pabllo Vittar enfrenta o Brasil dos retrocessos

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Longe de ser mero produto gerador de alienação, a música pop é capaz de reunir uma série de elementos portadores de significados culturais. Você certamente já escutou por aí que determinados gêneros musicais como o funk, o tecnobrega e o forró são estilos relacionadas a gostos pouco apurados. Tais considerações, no entanto, não passam de análises simplistas, preconceituosas e que infelizmente às vezes são reproduzidas pelos meios de comunicação.

No primeiro final de semana do Rock in Rio, a cantora Pabllo Vittar arrastou uma multidão na apresentação que fez num palco pequeno do evento, fora das “atrações principais”. E não parou por aí: durante show da artista Fergie, Pabllo foi convidada a subir ao palco e cantar o hit “Sua Cara” – novamente celebrada pelo público. Dias antes, a vice-presidente executiva do festival, Roberta Medina, ignorou os pedidos pela escalação de Anitta (que certamente levaria Pabllo por conta da parceria).

Esse pop que alguns setores atacam e ignoram não é celebrado à toa. A faixa “Sua Cara”, por exemplo, deve ser lida por meio dos significados que é capaz de articular, e que geram sentidos variados por representar demandas sociais emergentes. Na letra, Anitta e Pabllo optam por rebolar, dizem que não aturam sermão, e assim enfrentam uma sociedade historicamente instituída pelo discurso machista. Ou seja, duas mulheres que não pedem permissão, simplesmente fazem (rebolam!).

Mas destaco, em tempos sombrios de fechamento de museu com obras de temática queer, a potência de Pabllo Vittar. A drag (maravilhosa!) coloca em xeque o dualismo homem/mulher, uma máquina queer que faz oposição ao conservadorismo de um país que se perdeu nas sombras de um golpe – de 2016 pra cá, foram incontáveis retrocessos. A diva que mantém o nome Pabllo desestrutura a percepção binária de setores autoritários, totalmente perdidos pelo simples fato de não compreenderem o movimento das subjetividades outras, descompromissadas com os enquadramentos dos discursos normativos.

O signo queer articulado na performance e na linguagem musical de Pabllo atravessa padrões impostos por executivos de grandes festivais, políticos moralistas (e oportunistas) ou juízes-midiáticos ridículos que se aventuram em áreas que desconhecem. Assim, a música da cantora Pabllo ultrapassa o campo do entretenimento e do consumo para assumir um significado político, ao representar uma diversidade que não vai aceitar retrocessos.

 

 

Joe Strummer e a diversidade musical

“O convite é, então, tomado como fenômeno da diferença – que, para mim, decorre de um acontecimento – que provoca, ao mesmo tempo, ruptura, apelo e invocação de alteridades livres” (Wladimir Garcia, UFSC)

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No último dia 21 de agosto Joe Strummer completaria 65 anos. O líder do Clash e do Mescaleros geralmente é lembrado por seu legado denso, altamente produtivo: ajudou a fundar o movimento punk, lançou discos importantes à frente do Clash e por fim vivenciou uma virada sonora mergulhando no experimentalismo do Mescaleros. Esse trajeto criativo traz à tona um aspecto interessante, inerente à sua obra: a diversidade musical.

Joe parece ter sempre assumido uma posição de fronteira, ou seja, fora de qualquer estabilidade que pudesse delimitar seu trabalho. O fato de ser filho de diplomada e pertencer a uma classe média específica no contexto britânico não definiu sua trajetória – movimento contrário ao habitus conceituado por Bourdieu. Muito pelo contrário, Joe, ao produzir linguagem musical assume uma diversidade radical e convida o ouvinte que acompanha a seu trabalho a experimentar tal fruição – inclusive o artista valoriza o aparelho rádio, como se uma transmissão global pudesse espalhar sua mensagem. O nascimento em Ancara (Turquia) foi apenas um de muitos agenciamentos globais que atravessaram Joe e o posicionaram em um campo de alteridade sonora, capaz de enfrentar os enquadramentos da indústria fonográfica, que necessitam de padronizações.

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Essa diversidade começa na abertura do Clash ao reggae, ska, dub, hip hop e música afro-caribenha, do álbum homônimo ao Combat Rock (ver discografia!), e o grupo valoriza textos originados no Terceiro Mundo, ressignificados por meio de uma ética artística que celebra o encontro, o convite a mistura. Essa linguagem musical ocorre porque há uma práxis. A obra do Clash é nômade, não possui território fixo, suas canções (manifestos?) funcionam como uma máquina de guerra (usando aqui um termo de Deleuze e Guattari) que desafia a narrativa institucional (o estado) da música pop, centralizada no chamado Ocidente (eixo Europa/Estados Unidos).

No aniversário de Joe Strummer proponho celebrar a diversidade. Se há um poder que procura padronizar vidas, corpos e gostos (consumo!), encontramos também artistas que escapam a essas disciplinas. A seguir alguns momentos em que Joe propôs uma diversidade radical, no Clash e no Mescaleros.

São Paulo recebe mostra de cinema uruguaio

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O Consulado Geral do Uruguai em São Paulo, em parceria com Instituto Cervantes, traz à cidade uma mostra gratuita de cinema uruguaio, entre os dias 21 e 25 de agosto. O evento exibe cinco trabalhos importantes na história da produção cinematográfica do país.

Os filmes que compõem a mostra são: Artigas, La Redota (César Charlone), Los Modernos (Mauro Sarser), Mal Día Para Pescar (Alvaro Brechner), Rambleras (Daniela Speranza) e El Baño del Papa (César Charlone). Destaque para a presença do diretor César Charlone, que participará de um debate/bate-papo com o público presente após a projeção de seus filmes.

Trata-se de uma ótima oportunidade para conhecer parte da produção cinematográfica de um país muito importante para a América do Sul, sobretudo por representar uma postura de vanguarda no campo de políticas sociais (descriminalização do aborto, legalização da maconha etc.). Em tempos de retrocessos na região (não apenas no Brasil), é preciso olhar para o Uruguai.

Programação

Sessão de abertura: 21/8 – O Banheiro do Papa (El Baño del Papa) – com a presença do diretor, César Charlone, que participará de um debate/bate-papo com o público presente após a projeção.  Direção: César Charlone, Enrique Fernández/2007/90 minutos/ 10 anos

22/8 – Rambleras

Direção: Daniela Speranza/2014/93 minutos/livre

23-8 – Mau Dia para Pescar (Mal Día Para Pescar)

Direção: Alvaro Brechner/ 2009/100 minutos/14 anos

24/8 – Os modernos (Los Modernos) – Direção: Mauro Sarser / 2016/135 minutos/16 anos

25/8 Artigas, La Redota – com a presença do diretor, César Charlone, que participará de um debate/bate-papo com o público presente após a projeção. Direção: César Charlone/2011/108 min/livre

Serviço:

Mostra de Cinema Uruguai 2017

Onde: Instituo Cervantes São Paulo

Avenida Paulista, 2439

De 21 a 25 de agosto

Das 19h as 22h

Gratuito

QOTSA: um minuto de “garage punk”

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O Queens of the Stone Age lança no dia 25 de agosto o álbum Villains e o grupo de Josh Homme divulgou ontem o teaser com um trecho da faixa “Here. We. Come.” (vídeo abaixo), deixando à mostra um minuto de garage punk.

O aspecto que marca o porvir sonoro do QOTSA é o encontro de Dead Kennedys com garage 60, no estilo “banda de porão” que enfrenta o mainstream com distorção e rapidez. Vem coisa boa aí.

Gorillaz: o experimental, o real, o virtual

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O grupo Gorillaz, liderado pelo combativo Damon Albarn, lançou neste ano o álbum Humanz e desembarca na América do Sul em dezembro para o Bue Festival (Argentina). Na última semana, uma apresentação da banda ocorrida na cidade de Colônia (Alemanha) vazou na íntegra na web, deixando pistas da turnê que vem ao território latino-americano em breve.

A virtualidade do grupo traz uma série de questões acerca das relações banda/público e estúdio/show. Se no âmbito virtual das telas e/ou armazenamento fonográfico o Gorillaz é composto por integrantes-animação, no palco Albarn e companhia se apresentam como músicos reais, enquanto paradoxalmente os desenhos emergem no telão para estabelecer o jogo imagético dos tempos de imagem-valor.

Musicalmente o som do Gorillaz combina dance, hip hop e indie. No entanto, no show os recursos sintéticos do estúdio que reduzem a presença de vozes e instrumentos tocados dão lugar a uma banda robusta, com quatro backing vocals, baixo, guitarra, bateria, teclado e piano. O desencaixe e combinações não-lineares entre o acústico e o eletrônico são as grandes sacadas do grupo. Ainda há fôlego para participações especiais, como a de Jehnny Beth, do incrível Savages, em “We Got the Power”. Baita show.

Adriano Cintra divulga demo com 13 faixas

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Foto: reprodução do perfil do artista no Facebook.

O músico e produtor Adriano Cintra divulgou nesta semana uma demo com 13 faixas, na sua página do Facebook. O trabalho reúne canções que mesclam boas referências acumuladas ao longo da trajetória de Adriano. Em “Backfiring”, por exemplo, há boas doses de New Order, enquanto “Sometimes You Just Do” remete à sua antiga banda Cansei de Ser Sexy – grupo que surgiu em um dos períodos mais interessantes do underground de São Paulo. Enfim, temos aí boas doses de pop, anos 80 e electro rock.

2017 Demos é fruto de um período de 24 dias de gravação, que segundo o próprio músico refletem a imersão do artista em seu próprio tempo criativo. Ao postar o link na rede social, Adriano escreveu o seguinte “Em 24 dias eu compus/fiz as demos dessas 13 músicas. Tem mais uma que só vai pro ‘disco’ que vai estar logo mais nos streamings de suas preferências. Amanhã vai pra mixagem, só assim pra eu parar. Teve uma hora que eu achei que ia fazer um disco duplo mas daí eu fui ouvir uns discos duplos e sei lá, achei meio vyagy

PJ Harvey e sua geopolítica sônica

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A cantora britânica PJ Harvey tem inserido nos seus últimos trabalhos temáticas geopolíticas de forma poética, enfrentando assim o contexto pop meramente comercial. À semelhança de outros artistas, que em tempos distintos aderiram a questões políticas, PJ tenta contrapor, por meio da linguagem, um momento em que a barbárie adentra o senso comum como poder disciplinar. Brecht certa vez mencionou, no auge do fascismo na Europa, que vivia tempos em que era preciso defender o óbvio, tamanha a ignorância de quem se rendia ao discurso do autoritarismo.

Em seu novo single, “The Camp”, PJ Harvey narra a jornada de crianças deslocadas com suas famílias à região de Vale do Beca, no Líbano, parceria artística com o fotógrafo Giles Duley – são dele as imagens que ilustram o ótimo vídeo da faixa. Os vocais são divididos com o músico egípcio Ramy Essam.

Muitos sentidos emanam de “The Camp”, e talvez o mais significativo aos tempos atuais seja o fato de a cantora jogar luz sobre uma realidade que nos permite questionar o “progresso capitalista”. A parceria com Essam, por sua vez, atravessa fronteiras geográficas e delimitações culturais, para colocar a canção como potência de alteridade.

Em tempo:

Como parte da série UNESCO Grandes Mulheres da História Africana, caiu nas redes hoje o livro digital Njinga a Mbande: Rainha do Ndongo e do Matamba (para baixar clique aqui), mulher marcante na história de Angola do século XVII. O material ainda reúne um riquíssimo trecho pedagógico para professores levarem a temática às aulas. Imperdível.

Racionais MC’s: 20 anos de “Diário de um detento”

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O impacto midiático provocado pelo longo discurso do grupo Racionais MC’s, na MTV, após o grupo vencer o prêmio mais importante da noite, colocou no cenário mainstream vozes de artistas nascidos na periferia de São Paulo. Difícil recordar na história da música pop nacional momento tão grandioso, no qual discursos geralmente hegemônicos sofreram abalo desse porte.

“Diário de um detento”, lançado em 1997, atravessou o âmbito da circulação musical restrita a quem vivencia a desigualdade brasileira e entrou nas tevês, rádios, aparelhos MP3 e conexões de streaming da classe média. Trata-se de um rap de embate comunicacional sônico (me refiro à questão do som, o efeito que emana desse produto “música gravada”), que entrou no embate narrativo sobre a situação do país, denunciado situações esquecidas pela grande mídia.

Menção ao jornalista André Caramante, do coletivo Ponte Jornalismo, pois recordei a importante marca – os (quase) 20 anos da aparição do grupo na MTV! – após assistir ao vídeo publicado por ele no Facebook, cuja produção é assinada pela Red Bull Station. O grupo de rap, aliás, ganha a partir deste mês importante exposição na produtora localizada no Centro de São Paulo, evento que celebra seus 30 anos de história.

Os Racionais passaram por variados experimentalismos e transitaram por diferentes vertentes musicais. Trajetória que começa nas bases elaboradas com samples e em seguida parte para produções instrumentais. O “ao vivo” sempre marcado por KL Jay usando o toca-discos como um guitarrista (ou qualquer outro instrumento), mixando e alterando gravações para as vozes de Mano Brown, Ice Blue e Edi Rock.

A seguir o ótimo vídeo (análise) produzido pelo pessoal da Red Bull Station, com observações que vão além da letra e adentram o campo semiótico – afinal, cenário enunciativo e discurso são conceitos fundamentais para captar toda a potência comunicacional da canção.