No mundo globalizado práticas sociais operam a dialética entre tradição e hibridização, embate que reflete, sobretudo, nas linguagens dos produtos culturais. Enquanto aspectos locais são reforçados, há também deslocamentos estimulados pelas novas formas de representação, que reivindicam o que Stuart Hall chama de difference. O trabalho do duo afegão 143Band, que recentemente se apresentou em festivais europeus, exemplifica o tensionamento acionado por tais fluxos culturais.
A dupla Paradise (MC) e Diverse (DJ) – o 143Band – elabora canções a respeito de uma série de questões sociais do Afeganistão sob a influência de elementos do hip hop. Ao usar fragmentos do gênero nascido nos Estados Unidos – que por sua vez é também fruto de hibridismos –, o duo reconstrói uma identidade musical mais politizada.
Neste caso, não se trata de uma via de mão única na qual a indústria fonográfica ocidental impõe um padrão, mas a subversão de unicidades semânticas na produção de novos sentidos. Ou seja, a dupla 143Band não se desvincula totalmente da identidade afegã nem tampouco copia de forma passiva o estilo da cantora Beyoncé.
Pode-se considerar que faixas como “Nalestan” funcionam como agenciamentos maquínicos de combate na linguagem, e tanto se opõem ao mainstream global ocidentalizado como à tradição local que proíbe mulheres de se expressarem artisticamente cantando rap.
Em uma cena do documentário Rebel Beats, a rapper Paradise comenta o triste caso de uma garota morta por um grupo de homens, reforçando sua motivação artística frente ao fato: “I will fight – not only for Farkhunda [nome da jovem morta], but for all the Farkhundas”.
Esse posicionamento político, que reflete nas letras da artista, poderia perfeitamente ser inspirador para o cenário brasileiro (bem como o latino-americano, europeu e norte-americano), uma vez que a violência contra a mulher não é exclusividade do mundo árabe. Temos então algumas características dos produtos culturais em tempos de globalização: eles acionam novos sentidos, ampliam debates e reforçam representações.