Racionais MC’s: 20 anos de “Diário de um detento”

racionais

O impacto midiático provocado pelo longo discurso do grupo Racionais MC’s, na MTV, após o grupo vencer o prêmio mais importante da noite, colocou no cenário mainstream vozes de artistas nascidos na periferia de São Paulo. Difícil recordar na história da música pop nacional momento tão grandioso, no qual discursos geralmente hegemônicos sofreram abalo desse porte.

“Diário de um detento”, lançado em 1997, atravessou o âmbito da circulação musical restrita a quem vivencia a desigualdade brasileira e entrou nas tevês, rádios, aparelhos MP3 e conexões de streaming da classe média. Trata-se de um rap de embate comunicacional sônico (me refiro à questão do som, o efeito que emana desse produto “música gravada”), que entrou no embate narrativo sobre a situação do país, denunciado situações esquecidas pela grande mídia.

Menção ao jornalista André Caramante, do coletivo Ponte Jornalismo, pois recordei a importante marca – os (quase) 20 anos da aparição do grupo na MTV! – após assistir ao vídeo publicado por ele no Facebook, cuja produção é assinada pela Red Bull Station. O grupo de rap, aliás, ganha a partir deste mês importante exposição na produtora localizada no Centro de São Paulo, evento que celebra seus 30 anos de história.

Os Racionais passaram por variados experimentalismos e transitaram por diferentes vertentes musicais. Trajetória que começa nas bases elaboradas com samples e em seguida parte para produções instrumentais. O “ao vivo” sempre marcado por KL Jay usando o toca-discos como um guitarrista (ou qualquer outro instrumento), mixando e alterando gravações para as vozes de Mano Brown, Ice Blue e Edi Rock.

A seguir o ótimo vídeo (análise) produzido pelo pessoal da Red Bull Station, com observações que vão além da letra e adentram o campo semiótico – afinal, cenário enunciativo e discurso são conceitos fundamentais para captar toda a potência comunicacional da canção.

Música pode estimular mudanças? Em “Boa Esperança”, Emicida dá o recado

Assisti ontem ao clipe da canção “Boa Esperança”, do Emicida. O vídeo recebeu abordagens em diversos meios de comunicação e dá sinais dos caminhos sonoros que o próximo trabalho do rapper (previsto para o segundo semestre), e que sucede o ótimo O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui (2013), deve tomar. Mas isto não é tudo.

Com participação de J Ghetto e produção coassinada por Emicida e Nave, “Boa Esperança” (vídeo e letra) propõe uma verdadeira chacoalhada no pensamento conservador que ganhou força nos últimos meses no Brasil. Primeiro porque os versos colocam o dedo no mal-estar que a elite e seus porta-vozes tentam jogar para debaixo do tapete: a violência policial, a negação de direitos a uma ampla parcela da população e a “grande” imprensa servil ao status quo. E nas imagens do clipe, o pior pesadelo da classe dominante: a revolta.

Como já escrevi aqui inúmeras vezes, por meio da arte articulações para mudanças sociais podem (e devem) ser estimuladas. E a indústria do entretenimento hoje não possui mais total controle sobre as produções musicais, muito pelo contrário, a partir da combinação de poucos aparelhos é possível elaborar um disco inteiro em casa. Meios de produção e circulação alternativos jogam luz sobre o “faça você mesmo” de outros tempos.

Emicida já havia deixado claro o recado, antes mesmo do lançamento da tijolada “Boa Esperança” (vídeo abaixo), durante discurso na última edição da Virada Cultural. Na ocasião, sintetizou bem o levante violento em prol de um Brasil cada vez mais próximo da lógica do condomínio, que segrega quem está do outro lado do muro. Às palavras do rapper somam-se atitudes semelhantes, de artistas que em períodos distintos decidiram falar: Bob Marley, Nina Simone e Atari Teenage Riot. Mas afinal: a música pode estimular mudanças? Pessoas movidas por ela podem.

Racionais MC’s divulga single “Quanto Vale o Show?” e 2015 será o ano do rap nacional

Há duas semanas acompanhei a discotecagem do KL Jay, na festa Sintonia, no DJ Club, em Sampa. Na ocasião entrevistei o DJ dos Racionais MC’s para a minha dissertação de mestrado, ele é um dos artistas cujo trabalho eu estudo. Resgato o encontro para destacar a animação do KL Jay quando, ao final do bate-papo, perguntei sobre o show de lançamento do novo álbum do grupo, que ocorre dia 20 de dezembro, no Espaço das Américas, “vai ser uma grande festa”, disse o DJ.

O lançamento do primeiro single do novo disco, a faixa “Quanto Vale o Show?”, ocorre em data pertinente: a semana do Dia Nacional da Consciência Negra (hoje, 20 de novembro), dia para refletirmos maneiras de enfretamento ao racismo. Na letra, Mano Brown versa sobre a infância, as dificuldades, os sons e outras memórias socioculturais e musicais – a canção pode ser comprada no Google Play. Trata-se de um rap dançante, funkeado e de combate, com sample de “Gonna Fly Now” (Bill Conti), trilha do filme Rocky (1976).

Embora o nome do novo disco ainda não tenha sido revelado, a turnê dos Racionais MC’s, que terá início no Espaço das Américas, certamente dará fôlego novo ao sempre criativo rap nacional, somo também a esse acontecimento a nova turnê do rapper Criolo, que recentemente lançou o álbum Convoque Seu Buda – tão bom quanto o elogiado Nó Na Orelha (2011).  O ano de 2015 promete.

Confira a seguir o teaser de lançamento do álbum dos Racionais MC’s e o primeiro single do disco, o rap pesadão e boladão “Quanto Vale o Show?”.

Funk-rap made in Brazil

 

Não é somente o Mundial que faz o a imprensa internacional olhar para o Brasil, nossa produção musical também foi destaque nesta semana, para o desespero dos pessimistas de plantão. Interessado no trabalho das meninas do trio Pearls Negras, do Vidigal, o conceituado portal Nowness publicou uma entrevista muito legal com as rappers.

No vídeo (clique aqui e confira), Alice Coelho, Mariana Feitosa e Jennifer Loiola falam sobre o som do trio, a produção cultural da periferia do Rio de Janeiro e os desafios que o grupo encontrou no início da carreira. O Cultura no Prato já havia destacado o trabalho das meninas, quando elas lançaram a ótima mixtape  Biggie Apple, no início deste ano.

O sucesso das Pearls Negras atravessa fronteiras, assim como o funk levado pelo DJ Marlboro à Europa o fez, há mais ou menos uns dez anos. Mesmo que muitos ignorem a produção cultural das periferias país, talvez acostumados a enxergar o mundo apenas da sua realidade social, a imprensa internacional, ao contrário, se rende, e na verdade sempre se rendeu, ao funk-rap made in Brazil (hehe).

Só para apimentar mais a discussão, nesta semana um comentarista do programa (pessimista) Manhattan Connection, da Globo News, tentou minimizar o interesse da mídia inglesa sobre o Brasil, e foi corrigido por uma competente jornalista da BBC. Adorei.

Pérolas Negras cantam o “rap de saias”

(Foto: Facebook)
(Foto: Facebook)

Desnecessário observar que o rap nacional não precisa estabelecer canais com a grande imprensa para fazer sucesso. Se olharmos para trás, nos anos 90, os Racionais MC’s já anunciavam que a música que emerge das periferias pode vender muitos discos e alcançar um ótimo público, sem falar uma só palavra com a mídia. Fato que reflete até hoje.

Em tempos de YouTube, ao contrário, é a imprensa que precisa mexer os pauzinhos para não ser surpreendida por novidades fascinantes. O trio Pearls Negras, do Morro do Vidigal, não é apenas talentoso, mas já possui o respaldo de quase 70 mil visualizações do seu último clipe, “Pensando em você” (veja ao final do texto), no canal de vídeos mais acessado da web. O fato rendeu às meninas um contrato com o selo britânico Bolabo Records e menções em sites do porte de Dazed and Confused e Noisey.

Por aqui, a existência do grupo (quase) passou despercebida, os meios de comunicação brasileiros – e o Cultura no Prato se inclui nesta autocrítica – foram pegos de surpresa. Sorry. Então vamos lá: as meninas do Pearls Negras (Alice Coelho, Jennifer Farýs e Mariana Alves) são integrantes do grupo de teatro Nós do Morro e lançaram em dezembro uma mixtape linda, chamada Biggie Apple (alusão genial a um dos drinks mais queridos do momento, hehe).

O som do grupo tem pitadas de Flora Matos, Karol Conká, funk e trap music, com direito a um revezamento vocal entre as MC’s ao melhor estilo Run DMC. Mas, o que mais faz o trio ser merecedor do adjetivo “revelação” são as letras, que vão do cotidiano à afirmação do “rap de saia” – como elas dizem, brilhantemente –, passando também por críticas sociais – uma delas direcionada a Dilma, em “Mr President”.

A mixtape está disponível para download gratuito e, se eu fosse você, trataria de baixá-la já. E, quer saber? Voltando à reflexão inicial deste texto, achei genial as meninas terem feito sucesso primeiro no exterior e somente em seguida no Brasil. Sério. O nosso descuido merece um “puxão de orelha” (ou uma reflexão): devemos ficar mais conectados aos canais alternativos e não apenas apegados à zona de conforto proposta pela mídia tradicional.